Pra não dizer que eu nunca falei de amor

sábado, 22 de junho de 2013


Acho que nunca me ensinaram a escrever uma carta de amor. Bateu vontade agora. Conhece essa vontade de colocar no papel (ou na tela do computador) todos os sentimentos que guarda no peito? Então. Deu vontade de escrever uma carta de amor. Tá faltando destinatário, só tenho remetente. Eu. Eu to enviando essa carta e eu ainda não sei para qual endereço. Talvez eu a deixe se perder pelos Correios, iguais as cartas para o Papai Noel. Até que não é má ideia; vou endereçar para o Polo Norte! (ou será polo sul? Nunca soube). Vai que uma dessas boas almas peguem a minha carta e resolvam me dar o presente que peço. O que eu peço? O amor. Uma carta de amor sem destinatário e sem conteúdo? Prazer… eu! Sou o remetente, mas no fundo não remeto nada. Não tenho o que dizer, só quero ir falando essas palavras sem nexo, sem sentido. Uma carta estranha vai se formando e eu ainda não imagino para quem endereçar. Quem vai ler? Você tem coragem? Se tiver, venha cá, te dou um abraço apertado, um beijo, um carinho, um cafuné. Até café eu aprendo a fazer, se você for um desses clichês. Se você quiser, faço bolo, torta, almoço, café da manhã, janta. Se preferir, morremos de fome embaixo da ponte, tudo bem, tudo não fica melhor quando se tem amor? Será? To afim de descobrir. É boato ou é mágica isso que acontece quando nos apaixonamos? Hey, você que pegou essa carta dentro de uma garrafa jogada no mar no meio do carnaval, me responda: amor vale a pena? Talvez valha, né? Talvez o ruim não seja o amor; seja amar! O amor nunca se fode, afinal. Quem se fode é a gente, que se entrega a ele, que busca por ele, que morre por ele. Se não morre de suicídio, morro de assassinato. Ele nos assassina todos os dias, a cada romance mal resolvido, a cada briga, a cada lágrima. Maldito! Ou querido? Não sei! Você que está lendo essa carta poderia me responder né? Pra quem eu enderecei isso aqui? Será que o amor vai bater na minha porta antes de eu terminar de escrever, me pegar pela mão e me levar pra dançar? Coitado, tenho dois pés esquerdos e nem sei rebolar. Talvez dançar não seja uma boa ideia para o amor. Mas é isso, mesmo na dúvida se amar é bom ou ruim, to afim de doar meu amor pra quem prometer cuidar dele direitinho. Confesso que não sei passar roupa, mas o contrato é de namorada (esposa, ficante, amante, o que se encaixar na sua vida melhor) não de empregada. Promete ser quente? Tá tudo tão frio ultimamente. Acredita? Frio no meio do Rio de Janeiro fazendo 40 graus. Ai esse Rio 40 graus… Mas aqui dentro tá frio, aqui no peito, sabe? Então, vem esquentar? Se preferir me manda uma carta em resposta com um formulário e eu preencho. Vai que dá certo, não é? Seria uma bela história para contar aos nossos filhos. Então é isso, ninguém bateu na porta até agora para me chamar pra dançar e eu duvido que o Papai Noel me arranje um namorado de presente (afinal, o trenó já está cheio). Mas eu escrevi. Não tem destinatário, nem assunto, nem amor. Mas tô procurando. Se achar, me avisa.

Misoginia coletiva

domingo, 2 de junho de 2013
Imagine uma sociedade que obriga as mulheres a se odiarem. Enquanto os homens curtem a saída do trabalho em um barzinho, conversando e sendo amigos de verdade, as mulheres são obrigadas a serem falsas umas com as outras. Você consegue imaginar essa sociedade que coloca um dos gêneros como desleal com seus semelhantes? Uma sociedade que obriga que todas as amizades entre mulheres seja falsa, interesseira e passageira. Uma mulher é obrigada a elogiar outra, mas criticá-la fervorosamente por trás. As mulheres também são ensinadas a se vestir, portar e falar (além de aprenderem, desde cedo, a criticar qualquer outra mulher que não siga as normas padrões que a sociedade criou). Se você nasceu mulher nessa sociedade, bem, meus pêsames. A partir de agora você será obrigada a aprender a identificar estupradores na rua e técnicas de proteção, talvez seja bom fazer um curso de defesa pessoal. Você tem que se defender de todas as formas de possíveis abusos (sexual, psicológico, físico). Roupas curtas estão terminantemente proibidas, você não pode levantar a voz para seu pai/marido, você não pode negar sexo para seu parceiro, você não pode sair para beber sozinha, não pode andar sozinha na rua deserta, não pode voltar para casa de madrugada (muito menos desacompanhada), não pode escolher não casar ou não ter filhos. Você, que nasceu mulher nessa sociedade, está obrigada a se relacionar com um homem e ter filhos. Tem que casar. Você, por ter nascido mulher nessa sociedade, só será completa quando descobrir a maternidade.

Você consegue imaginar essa sociedade? Não estou falando que os homens não têm obrigações, mas eles têm algo que foi roubado das mulheres: Liberdade.

É. Essa sociedade é a nossa. Uma sociedade que ensina que uma mulher não pode gostar (ou defender) outra. Uma sociedade que ensina que adjetivos como "piranha", "vadia" e "puta" devem ser utilizados diariamente e para classificar (quase) todas as mulheres. Afinal, qual foi a última vez que você chamou alguém por esses três belos nomes? Você lembra o motivo? Vou te ajudar. Releia o primeiro parágrafo do texto e veja se você já encaixou um desses adjetivos para mulheres que foram contra essa sociedade. Vadia é a mulher que sai na rua sozinha, a mulher que se relaciona sexualmente com vários homens (ou mulheres, ou ambos). Puta é a mulher que anda de roupa curta, que volta da balada de madrugada, que vai pra casa sozinha depois do trabalho/faculdade/curso. Piranha é aquela mulher que não quer casar e, muito menos, ter filhos, é a mulher que desafia o patriarcado dentro de casa.

Eu cresci escutando que "amizade entre mulheres não é verdadeira". Confesso que carreguei isso como verdade durante muito tempo (tempo demais até). Aprendi que não poderia confiar completamente no elogio de uma amiga, pois assim que eu virasse as costas ela poderia criticar o meu cabelo, a minha roupa e a minha maquiagem. Afinal, mulher é invejosa. Será? Será mesmo que a mulher tem a incapacidade de se sentir bem por outra? Será que, obrigatoriamente, toda amizade entre mulheres tende ao fracasso, pois duas mulheres nunca conseguirão conviver plenamente e em harmonia? A minha sociedade me ensinou que somente o homem é confiável, mas só se eu também for um homem. É que também fazem questão de me dizer, todos os dias, que não existe amizade entre homem e mulher; o homem sempre vai querer abusar da mulher. Por isso que homens só dizem ser amigos de mulheres bonitas. Pra que eles chegariam perto das feias?

É. Minha sociedade, a nossa sociedade, ensinou-me que a mulher deve ser sozinha. Não pode confiar em ninguém. Amigas são falsas, amigos são tarados. Em um momento da vida, provavelmente na adolescência e na igreja, a mulher encontrará um homem para namorar e futuramente casar. Fluxo da vida. Se o seu marido te trai, a culpa nunca deve ser atribuída a ele. O motivo? A sociedade nos ensina que a culpa é sempre da mulher. Da roupa curta, das pernas de fora, do batom vermelho, da sombra preta, da forma como ela olhou para o homem, da maneira como ela se sentou no bar, pelo fato de estar bebendo. A mulher, por ser mulher, deve ser culpada.

O reflexo desses ensinamentos eu vejo diariamente. Vejo quando uma mulher foge do que lhe foi imposto, exerce sua liberdade e, graças a isso, é classificada como puta, vadia ou piranha (derivados também podem se encaixar). Vejo quando duvidam da felicidade de uma mulher que resolveu não ter filhos. É nosso slut shaming de cada dia, que diz que a mulher tem que ser mais controlada sexualmente que o homem. É quando falam que não é "natural" uma mulher ter desejo sexual, aceitar isso e praticar sexo livremente. É quando falam que uma mulher lésbica ou bissexual só o é para chamar atenção dos homens. Afinal, o que é mais sexy que uma mulher-fetiche?

A sociedade ensina pra mim, pra você e pra todos que a cultura legal de se aprender é a cultura do estupro. Somos ensinados, todos os dias, que o estuprador, na maioria das vezes, só cometeu o crime por que foi seduzido pela mulher que, na hora H, resolveu dar pra trás e agora fica falando que foi estuprada. Aprendemos, desde sempre, que mulher tem que se dar ao respeito.

Nasci mulher em uma sociedade que prega o desprezo pelas mulheres.