"Nada mais parecido com um machista de direita do que um machista de esquerda"

quinta-feira, 18 de julho de 2013
Quando o machismo vêm escondido de "eu não sou machista". 

Acredite: existe machismo até onde não vemos. Peguei essa postagem do Tico Santa Cruz para ilustrar algo que acontece diariamente. Ter visão política, posicionamento e ideologia não é sinônimo de estar livre do machismo. 

O que vejo diariamente nas redes sociais e na vida são pessoas que resolveram se politizar graças às manifestações que aconteceram e estão acontecendo no Brasil. É o tal do "gigante" que acabou de acordar. Essas pessoas, entretanto, não querem aceitar que, para estarem dormindo tanto tempo, estão em uma posição de conforto. É fácil permanecer dormindo quando você vive em uma sociedade que te favorece de todos os lados. Então, se você é branco, hétero, classe média e homem: dormir não é tão difícil para você. 

E eu até entendo você querer dormir. Se eu não tivesse conhecido a realidade do meu mundo, talvez eu também quisesse dormir. A questão é que eu nasci mulher numa sociedade que prega o desprezo e a inferioridade do sexo feminino e não, eu não consigo mais fechar os olhos para isso. Só que ai está: Você não precisa ser uma minoria para lutar por ela e com ela. 

Então, o gigante, que acordou agora há pouco (e já adormeceu em uma parte, afinal, as ruas voltaram a estar quase vazias e as pessoas voltaram a reclamar das ruas fechadas pelos protestos) resolveu que quer lutar por algo. Seja bem vindo às lutas sociais, gigante, mas sente para entender um pouco sobre a causa da mulher, dos negros, dos homossexuais, dos transsexuais. 

As pessoas apareceram sedentas por uma mudança política (que eles não sabiam direito o que tinha que mudar, então começaram a gritar que tudo tinha que mudar - sem saber o que seria esse "tudo"). E mudança política é extremamente preciso! E no meio da confusão, começaram a expulsar do movimento (ou tentar) aqueles que estavam acordados enquanto muitos curtiam o sono de beleza. Primeiro foram as bandeiras vermelhas, depois as coloridas e cheguei a ver bandeiras lilás no fogo. 

Vi pessoas que sempre desmereceram a minha causa feminista irem para as ruas. Vi pessoas racistas irem para as ruas. Vi pessoas que falaram que "lugar de índio é na selva" irem para as ruas. E com essa "politização" repentina e generalizada, as pessoas esqueceram de enxergar que existe algo chamado "social". Ali, no meio da luta esquerdista, no meio das manifestações por melhoras do transporte, saúde e educação, existe uma luta pela igualdade. Igualdade de gênero, racial, sexual. Igualdade. 

Sempre vi pessoas que são militantes de esquerda e extremamente machistas. É como aquela frase: "Nada parece tanto com um machista de direita do que um machista de esquerda". É que, até dentro da esquerda, as mulheres ainda são tratadas com inferioridade. A nós foi encarregado o papel da casa, das crianças e de manter limpos, alimentados e cuidados os homens que são da esquerda. Infelizmente, ser parte de uma luta social e por igualdade não faz com que as pessoas enxerguem todas as formas de opressão. O proletariado enxerga que é oprimido, se organiza em forma de partidos e sindicatos, mas muitos ainda não conseguem enxergar que a proletária é oprimida primeiro por ser mulher e depois por ser proletária (dando um plus a isso se ela for negra e homossexual). 

Um homem, proletariado, da luta esquerdista, da rua, ainda é capaz de ter uma "escrava do lar" e não perceber que isso é opressão - ou preferir não perceber. A questão feminista vai muito além da questão política - embora ambas as questões andem de mãos dadas boa parte do tempo. Só que a opressão feminina é muitas vezes naturalizada. "O papel da mulher é cuidar do lar", pois grande parte da sociedade não consegue enxergar a mulher como algo além de mãe, esposa e dona do lar. 

E enquanto ocorre a opressão com a mulher que tem que ficar dentro de casa, sendo objeto de decoração do marido, ocorre também a opressão para a mulher que não é casada, que é livre, que é "vadia". Chegando, então, ao ponto do Tico Santa Cruz. O que diferencia a mulher de um objeto, Tico? Eu respondo a essa sua dúvida: Não há o que assemelha a mulher de um objeto. Já pensou em trocar os papéis dessa pergunta? O que diferencia o homem de um objeto? Aí é que está: O homem não é objetivado. O homem é o patamar mais alto da sociedade, certo? É isso que as pessoas falam todos os dias. O homem, por ser homem, é um ser humano. Agora, a mulher tem que pensar o que vão pensar se ela pintar o cabelo, se ela falar um palavrão, se ela sair pra se divertir, se ela usar a roupa que quer... Por que se ela se mostrar livre, ela será caracterizada como um mero objeto.

Objeto de decoração para a casa ou objeto de desejo. Diariamente a mulher é vista e retratada pela opressão masculina como diversas formas de objeto. "Aqui, do lado desse quadro, ficaria lindo uma mulher com uma lata de cerveja para mim"; "Aqui, do lado desse aparelho de academia, ficaria perfeito uma foto de mulher pelada". Não sou eu, mulher, que me considero um objeto. Eu sou tão humana, livre e capaz quanto qualquer homem. Só que vivo em uma sociedade que quer a mulher calada, reprimida e pronta para saciar todos os desejos masculinos. 

E quando eu, mulher, abro a boca, abro minhas algemas e começo a gritar por mim e pelas outras, sou vista como vadia, mal comida, feia... FEMINISTA!!!! "Por que você é assim, tão... feminista?" Querido, se você não é, eu não consigo entender qual o seu problema. O que me diferencia de um objeto, Tico - e todos os que concordaram com a fala dele - é que eu sou mulher. Ponto. Não há preciso muita coisa para explicar a diferença, ou você tem algum problema que te impede de diferenciar um ser humano de uma xícara? Por que, se tiver, não sou eu que irei te curar - acho que um médico talvez possa fazê-lo. 

As falas ensaiadas por uma militância excludente são, em grande parte, agradáveis de serem lidas. Elas falam o que a maioria quer escutar. Ninguém quer escutar que a mulher está lutando pela liberdade de deixar de ser dona de casa quando não deseja ser. Ninguém quer escutar que o negro quer parar de ser confundido com bandido todos os dias na rua. Ninguém quer escutar que o casal homossexual é idêntico e tem os mesmos direitos que um casal heterossexual. Por que tudo isso mudaria o mundo, tudo isso causaria uma confusão e o "gigante", que diz que acordou, na verdade adora a calmaria da sua cama. 

Se você tem uma militância construída pelo tempo e com causas verdadeiras: Sempre é tempo de aprender e agregar. Todos os dias eu aceito que tenho que aprender sobre as outras lutas sociais além do feminismo e trazê-las para perto. Se o que buscamos é igualdade, precisamos lutar não somente por aquilo que nos afeta e oprime, mas lutar também por aquilo que oprime nosso semelhante. 

Se você acordou agora, junto com o gigante, e gostou do sabor da rua: Seja bem vindo e espero que tenha paciência e cabeça aberta para aprender sobre as lutas sociais que estão na rua há tempos buscando direitos e igualdade. 

Agora, se você acha que sua militância está perfeita da maneira que está, algo está errado. O mundo muda constantemente, novos casos são trazidos a tona e muitas outras formas de opressão aparecem para que nós combatemos. É esse o nosso papel, a partir do dia em que enxergamos as amarras invisíveis que colocaram em nós. 

E não se assuste ao ver um texto dito como "igualitário" com alguma forma de preconceito. Às vezes, a opressão vêm do nosso lado. 

1 comentários:

  1. Iu Ichihara disse...:

    Nada a ver essa sua visão da postagem do Tico.

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