Eu sou Santa Maria

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Embora eu sempre goste de fugir do óbvio, dessa vez serei o mais clichê possível. 
Sempre depois das tragédias, há chuva de palavras. 
Então, 
Essas são as minhas. 

Logo após o incêndio da boate Kiss, comecei a ler alguns textos sobre o desastre. São textos cheios de revolta e isso acalma um pouco o meu coração. Saber que a dor do outro ainda pode doer em nós é a forma mais significativa de saber que estamos vivos e que ainda vale a pena viver. A grande questão que me preocupou são as pessoas fazendo piadas. Entretanto, não somente isso; preocupa-me também aqueles que falam mal dos que fazem piada.

Certa vez li que a morte é uma piada pronta (não me crucifiquem, adoro os textos do Pedro Bial). Outra vez, li que piada é tragédia + tempo. Sempre concordei com a frase de Bial, mas não somente com a frase como com o texto todo. Lá ele explica que você programa não somente uma vida, algo tão grandioso, metas tão longas, mas também planeja o dia-a-dia mais cinza que possa existir. Nem que seu maior objetivo seja conseguir almoçar antes das oito da noite, é um objetivo. Então, você morre. Sem a melhor parte da festa e deixando todos os objetivos de lado, largados, abandonados, esquecidos, apagando-se.

Chega, então, a questão de que a piada é uma conta matemática. Uma soma entre tragédia e tempo. A tragédia seria a parte negra do humor, tão aplaudido e adorado. O tempo seria aquele espaço entre o xingamento e a risada. Hoje eu entendi que isso é realmente verdade.

Não gosto de piadas com tragédia, homofobia, machismo, racismo. Já escutei críticas de que, então, eu não gostava de rir. Muito pelo contrário. Eu amo rir, cair na gargalhada, perder o ar. Adoro sentar com os meus amigos e ficar ouvindo besteira, rindo um da cara do outro. Mas não consigo fazer o mesmo quando estou sentada na frente de um computador vendo piadas preconceituosas e completamente sem escrúpulos.

Hoje de manhã, enquanto me arrumava para ir pra faculdade e passeava pelo facebook, vi uma postagem de uma foto em que tinha diversos "tipos" de xadrez. O último era o xadrez do norte americano; sem as torres. A pessoa que compartilhou (ou postou, não lembro) aquela foto era a mesma que criticava os que ficavam fazendo comentários de que gaúcho adora churrasco. Quer dizer que pisar na dor das famílias dos jovens da boate Kiss não pode, mas pisar na dor das família do atentado do 11 de Setembro pode? Foi então que entendi que a piada é realmente a matemática tragédia+tempo.

Daqui a alguns dias, ou meses, se ainda lembrarem que ocorreu um incêndio grandioso e que centenas de jovens que estavam apenas começando a vida morreram, farão piadas sobre isso e ninguém virá com trinta pedras na mão. "Ah, agora pode, o luto passou". A grande questão, na minha opinião, é que o luto não passa. Não é uma doença que pode ser medicada e ela vai embora para nunca mais voltar. O luto, se comparado com uma doença, é a depressão. Uma vez na fossa, não há como sair. Há como dar uma observada na superfície, mas algo sempre vai te puxar para as profundezas. É escurinho, tão aconchegante... Então, alguém, que você mal conhece (ou não conhece), com tempo livre de sobra, uma vontade de fazer piada sobre tudo, começa a caçoar do motivo da sua dor. Não para te ofender, mas para não perder a piada.

Então, me preocupa não somente quem faz a piada e quem ri da mesma, mas quem a critica dois dias depois da tragédia. Sobre meu coleguinha que compartilhou a piada e não viu mal algum, será que ele aceitaria a mesma piada no final de 2001? Pra mim, a piada é horrível em qualquer época. Pisar em alguém para fazer os outros rirem, simplesmente não tem graça. Comediante que usa esse tipo de humor para se promover, não merece o seu aplauso ou a sua risada. Não merece seu ibope e o seu dinheiro. Merece nosso desprezo. Merece nossa pena. Afinal, que valor terá a vida para alguém que ri da morte de terceiros?

E, para terminar, não me venham com aquela frase de que "É só uma piada"; "Piada sempre ofende alguém". Se nós temos limites, se nós não podemos sair ofendendo todo mundo, então a piada também não pode. A piada não é carta branca para poder falar o que quiser. Chego a achar meio doentio quem gargalha verdadeiramente desse tipo de piada. Chego a ter medo de quem entende a gravidade da situação, entende do que a piada fala e mesmo assim ri. Pessoas assim me assustam.

Podemos ficar calmos.
Em breve o "luto nacional" passa .
(Dedico a todos que se sentem ofendidos por piadas)

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