Temporada de tintas

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Existe uma grande preparação por trás do vestibular. É uma dedicação completa. Não são só mais horas de estudo, como um preparo físico para enfrentar as muitas horas de prova. Tem que aprender a controlar o tempo e o nervosismo. A maior parte dos participantes do vestibular são adolescentes. Jovens com intermináveis sonhos na cabeça, com planos pra vida que está apenas começando. Não dizem que a felicidade começa na faculdade? É na faculdade que você começa a estudar o que gosta e começa a ganhar sua independência.

Então, você passa no vestibular. O curso que você tanto sonhou e em uma das maiores faculdades do país. Você vai estudar em uma universidade federal e começa a imaginar que todos os seus sonhos estão encaminhados para virarem realidade. Só que não são sonhos normais. Não são sonhos utópicos. Você mereceu que o seu nome estivesse naquela lista. Você lutou por um sonho e o conquistou. Nada foi entregue a você sem um custo.

Só que tem gente que acha que pode abusar de você pois chegou naquela universidade antes. Então, você que estudou e se esforçou para entrar na faculdade, tem que encarar um trote humilhante. Todos os anos vemos brevemente pelos noticiários a notícia de que alguma coisa deu errado em um trote. Calouros que se feriram, calouros que foram humilhados, calouros que morreram. Você, que batalhou para conseguir a matrícula na faculdade, tem que "pagar um preço" para ser aceito.

"Você não é obrigado a participar do trote". Ok. Não é obrigado, mas é uma cultura tão forte essa de que todos os calouros devem ser submissos aos seus veteranos, que a pessoa que se nega a participar dessa "tradição" é vista como antissocial e excluída pelos seus colegas de faculdade. Quem está cursando uma faculdade sabe como é complicado seguir em frente com os estudos sem amizades. Não consigo me imaginar indo todos os dias para Niterói se não tivesse amigos.

Então, mesmo que ninguém pegue o calouro pelo braço (embora eu ache que isso aconteça às vezes) e o obrigue a participar do trote, não quer dizer que o trote seja facultativo.

E como agora começou a temporada das tintas, o tempo do medo começa igualmente. Posso garantir que as garotas que foram aprovadas na USP de São Carlos não sabiam o que as esperavam quando acordaram para o primeiro dia de aula na faculdade. Elas não acordaram naquele dia e resolveram que iriam ser "bixetes" e iriam sorrir para todas as humilhações que estavam prontas para sofrer. Ninguém está pronto para isso. E quando um grupo de mulheres vai protestar em prol dessas meninas, são agredidas por um grupo de jovens que se acham melhor do que os outros por que entraram na faculdade antes, por que são veteranos.

Eu não acho que a solução seja proibir o trote. Os crimes cometidos nesses trotes já são proibidos e isso não impediu que fossem cometidos. Matar, torturar, ferir. É tudo crime, tudo proibido e mesmo assim continua a acontecer durante os trotes. O que deve ser feito é uma punição mais severa para esses todo-poderosos-veteranos. Os garotos que ficaram pelados e agrediram as protestantes feministas, os veteranos que causaram a morte do calouro de medicina há alguns anos e todos os que apoiam e fazem parte desse tipo de "iniciação" na faculdade devem ser punidos. Devem responder por tais atos perante a lei e essa lei deve ser cumprida. Só quando o trote humilhante, perigoso e violento for devidamente punido é que vai haver conscientização.

A questão é que existe essa cultura que diz que quem está há mais tempo na faculdade tem todo o direito de maltratar os novatos. Há essa cultura de que eles podem fazer o que fazem, então eles não se vêem como errados. Eles não se enxergam como os criminosos que são. O que precisa mudar é essa ideia de que o trote não é obrigatório e as pessoas só são humilhadas, machucadas e mortas por que permitiram serem tratadas dessa maneira. Há uma pressão para que você participe do trote e um medo de dizer que não quer fazer tal coisa.

Não temos que culpar as meninas que desfilam como "bixetes" e tiram as roupas e depois ficam reclamando que foram humilhadas. Elas foram humilhadas, não há o que discutir. Nomeá-las "bixetes" já é humilhá-las, rebaixá-las. O que deve ser feito é transformar essa cultura dos trotes. Não tenho nada contra a parte do trote de se pintar e ir pegar dinheiro para a festa. Sou contra a parte da cota que faz com que os calouros tenham muitas vezes que pegar dinheiro do próprio bolso para bancar uma chopada.

Eu tive a sorte de ter um trote consciente. Meus veteranos só pintaram quem queria ser pintado, nós só respondemos as perguntas que queríamos responder. Não há pressão alguma com quem não quis participar da brincadeira feita no primeiro dia de aula.

Eu sou contra o trote que aconteceu na USP de São Carlos esse ano.
Eu sou contra o trote que humilha, maltrata, machuca e mata.

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