Todas somos de verdade

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Só sei que eu prefiro mulher de verdade.

Aquela mulher que se dá valor, se dá ao respeito, não sai com qualquer marmanjo que chega nela, usa vestido que cobre suas coxas, não tem tatuagem, não gosta de chamar atenção por onde passa, mas é bonita. Sabe aquela mulher que todas querem, no fundo ser? É inveja pura quando falam mal dela, afinal, ela é perfeita. 

"Mas, cara, e aquela gostosa que você pegou ontem na balada?" Ah, conheci ela na academia e ela ficava me olhando, estava doidinha para dar pra mim. Não deu outra, não é? Encontrei ela na balada e nem precisei gastar minha lábia, já veio todinha pronta pra mim. E acredita que a vadia deu pra mim no primeiro dia? Muito piranha mesmo! 

A "gostosa" é só isso mesmo: um pedaço de carne e somos todos canibais. 

"Ah, teve aquela também que você conheceu naquela convenção de tatuagem." Então, cara, conheci numa convenção de tatuagem. Ela tinha um dragão tampando as costas toda, acredita? Gosta muito de chamar atenção, tem um gosto estranho, acredita que ela acha que mulher pode ser tão pintada quanto homem? Não, não dá para levar a sério uma mulher que tem mais tatuagem que eu e que fica falando que o corpo dela é uma tela de pintura. 

"Tinha também aquela que chegou em você naquele outro dia." Como vou dar moral para uma mulher que chegou em mim? Atirada, vadia, oferecida! Se eu a quisesse, teria chegado nela. Mulher tem que aprender a ficar mais calada, andam falando demais. Andam se oferecendo demais. Aquela ali é vadia para uma noite só. 

"E como era o nome da outra? Ana, eu acho..." A Ana? Sério que você quer lembrar da Ana? Ficava me mandando mensagem no celular, no facebook, me ligava, não parava de me dar condição, mas quando a gente saia ela tava sempre com um vestido curto, um short micro. Não, não dá para levar a sério uma mulher que, claramente, é uma vagabunda. 

"Fiquei sabendo que a Lurdes também estava afim de você" A Lurdes? Só que, cara, ela é feia! Fim de jogo. 

Quando cria-se a imagem de "mulher de verdade", cria-se juntamente a ideia de que existem mulheres que não são de verdade. A gostosa da academia, a tatuada, a feia, a de atitude, a que usa roupa curta. Uma só serve para transar, a outra só para a carência, outra é amiga, outra só por uma noite, a outra nem para isso. Deixa eu ver se entendi, então: A mulher de verdade seria uma mistura de todas as mulheres de mentira. Entendi, entendi! Não, mas espera aí. Laura é gostosa e, por isso, não é mulher de verdade. Você não frequenta academia também? Alias, a mesma que ela... Que vergonha, você não é homem de verdade! A Madalena tem um dragão tatuado e, por isso, não é mulher de verdade. Você tem um tribal nas costas e, que vergonha, por isso, sinto ter que te informar, mas você não é homem de verdade. A Felipa chegou em um homem e, por isso, não é mulher de verdade! Você chegou em trinta outras mulheres e nossa... Não é homem de verdade! A Ana usa roupa curta e, por isso, não é mulher de verdade! Você anda sem camisa, não pode ser considerado um homem de verdade! A Lurdes é feia, coitada, nunca será mulher de verdade! Você se acha bonito, se acha gostoso, se acha atraente, mas Paula só gosta de mulheres e, para ela, você é feio. Não é homem de verdade! 

Para homem não se aplica a dúvida da "veracidade" dele, não é? Só no caso de ele ser homossexual, aí ele vai ter realmente que aprender a ser homem de verdade, pois nasceu homem, mas escolheu ser mulher. Então não é nenhum dos dois, certo? E travesti, então? Tentam e tentam ser mulher, mas são homens... de mentira! 

Quando algo é de "verdade", todo o resto é de "mentira". Nesse jogo de julgar o que é real e o que é falso, ficou em mim a dúvida se sou ou não mulher de verdade. Sempre disse que queria gente de verdade na minha vida, mas afinal, será que a mentira é tão ruim assim? Ou melhor... existe gente de mentira? Por que as Lauras, Madalenas, Felipas, Anas e Lurdes são tão mentirosas assim? Por que elas são tão inferiores àquele molde lá do início do texto? A mulher submissa é a mulher de verdade? 

A questão é que eu sou de verdade, eu sou de carne e osso, eu tenho minhas ideologias, eu tenho minhas vontades, meus receios, meus medos, meus desejos. Eu tenho meus arrependimentos e meus sonhos. Eu sou tão repleta de incertezas que, talvez, quem sabe, se o tempo deixar, eu encontre algumas respostas pelo caminho. Em contrapartida, eu tenho planos de tatuagem, eu já cheguei em homem, eu ando de roupa curta. Enquanto ficam me considerando mulher de mentira, eu sei que sou de verdade. E todas somos! E não somente nós, nossas irmãs trans também são mulheres de verdade. 

Mulher de verdade é a mulher que sabe ser ela mesma. Mulher de verdade é ela, não outra. Mulher de verdade se molda, não é moldada. Mulher de verdade é quem ela quiser ser. Somos todas mulheres de verdade! 

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